domingo, 23 de março de 2008

Mentiras.

Pablo Picasso
Quem não é uma mentira para si mesmo? Gostaria de saber quem entre todas espécies culturalmente variadas de indivíduos, confeccionados na mais pura cultura pop, narcísica e extasiante e citando brevemente alguns membros desse conjunto de expressões, os intelectualóides e seus livros inúteis, as tribos urbanas, que precisam mostrar quem são através de estilos efêmeros, a dona de casa e sua novela das oito, o trabalhador em companhia da cerveja depois de doze horas de trabalho cumpridas, quem entre eles não mente para si mesmo, dizendo ser o que não é, fugindo do que é, dizendo ser mais do que é, ou para resumir o assunto: entrar em devaneios permitidos pela sanidade mental para sair do descontentamento subjetivo.

Sim, mentimos e com prazer.

Afinal,a nossa sociedade exige que sejamos indivíduos dispostos à felicidade (a tristeza não é permitida, sendo quase um tabu) indivíduos "saudáveis" ( não se engane, ser saudavel nos dias de hoje é uma referência do culto ao corpo. Ser magra, no caso das mulheres, mesmo que para isso seja necessário intervenções cirurgicas, desenvolver uma anorexia, bulimia e próteses nos seios, bunda, etc. e ser anabolizado no caso dos homens, mesmo que isso lhes custe uma impotência ), dinâmicos ( dinamismo na nossa realidade é não ter tempo para digerir a informação, no maximo degluti-la, e se vomitá-la meu caro, azar o seu).

Essa é a beleza dos nossos tempos pós modernos e com tantas exigências que não vêm de encontro com a expressão do indivíduo e sua subjetividade, vamos capengando até nos adaptarmos à mentira veiculada e as abraçamos como solução à nossas ansiedades.

Nunca antes na história, tantos casos de depressão foram diagnosticados. O deprimido é o doente? Ou o contexto desumano onde ele se insere vai além do que sua razão entende, sua subjetividade compreende, suas forças aguentam? Porque na minha opinião, por mais que a industria farmacêutica enriqueça cada vez mais com a "produção" de doenças e transtornos, eles não são realmente os doentes. Doente é uma sociedade que se sente enebriada com a pretensão de criar um ser humano perfeito e tenta lucrar com isso, e o deprimido numa ilusão quase inocente tenta perseguir o padrão de perfeição criado para outros fins, que não o bem estar pessoal de cada um.

Ninguém é feliz como a família doriana, dos comerciais. Ninguém tem um relacionamento perfeito como os filmes românticos americanos, ninguém mantém bom humor a todo momento e ninguém é bem sucedido em todos os setores.
Não. Sentimos tristeza, angústia, temos frustrações. Isso faz parte de ser humano e seu desenvolvimento. Mas não podemos ser humanos! Temos que transpirar alegria, estampar sorrisos, estar dispostos a confraternizações ...mas quem nos auxilia de pronto a tantas incongruências ? A Industria farmacêutica, com suas fórmulas e seus anti depressivos! E vamos engolir em cápsulas a felicidade, como se isso resolvesse nossa dor.

Tem aqueles que sonham com o corpo perfeito, sensualidade, feminilidade, já que essa é a exigência para alcançar a felicidade. Como isso é conseguido? A cosmética nos serve, para sermos como a moça da capa da revista. Creme anti celulite, anti estrias, silicone para aumentar seios, lipo para tirar gorduras, tecido morto em enxerto labial, laser para manchas...e aí vai. Anorexia e Bulimia, como disfunções alimetares sérias a serem tratadas são encaradas como sintomas secundários, o importante é conquistar o corpo magro, saudavel.

Saudável? Me desculpem, mas nada há de saudavel para mim, ver alguém que se abdica de alimentação, tem o peso muito abaixo do normal de acordo com sua estatura e estrurura óssea, simplesmente para preencher os requisitos dos esteriótipos de beleza vigentes . Mas claro, que alguém ganha muito dinheiro com isso. Preciso dizer quem?

Temos ainda aqueles a quem o tempo, é um inimigo. É necessário ser versátil, dinâmico, absorver informações, conceitos, se tornar um workaholic, ou para ser sincera, um mero instrumento que reproduz o conhecimento adquirido para organizações interessadas. Não há tempo para cansaço. Não há tempos para a dúvidas, e menos ainda para crises existenciais. Mas elas existem, e agora?Agora, meu caro, existe o wisky para se embebedar, maconha para relaxar, ecstase para se sentir melhor, e uma série de outras drogas para fugir. E se esses subterfúgios forem utilizados por um tempo considerado, teremos o toxicômano.

Ele é o doente? Estamos em um momento, que a própria doença passa a ser questionada, e direcionada às manifestações além do indivíduo.

Não seria a sociedade que teria adoecido? Buscando perfeições ilusórias, belezas criadas, adaptações inescrupulosas, onde tal exigência é vendida explicita ou implicitamente pelos meios de comunicação, pela indústria, pelos fármacos, cosméticos, com a pretensão de venderem felicidade. Mas adivinhem? A tal felicidade não vem. Compra-se compulsivamente, consome-se. Momentâneamente ela chega, tão rápido quanto vai embora. Plásticas em busca da beleza, uma não é suficinete, porque o descontentamente volta. Duas muito menos. Drágeas passam a ser combinadas...antidepressivos, calmantes, hipnóticos...nada parece saciar a busca, pela tal felicidade.
Exigimos do indivíduo o que não é de sua natureza, visando enriquecer através de seus desencontentamentos, tristezas e medo.
Enquanto isso a subjetividade, a busca por si mesmo, de sentidos, reflexão sobre caminhos possíveis e daquilo que realmente importa fica em segundo plano. Primeiro é necessário que uma fatia do mercado se enriqueça com nossa ilusão de obter felicidade, atraente, mas irreal.

Por essas e outras, acredito que vivemos de mentiras: Uns com seus narcisimos, outros com suas vontades não satisfeitas. Alguns com suas ilusões e aqueles que se saciam momentâneamente e mantém seus vazios nunca preenchidos.
Existem também aqueles que dizem não fazer parte dessa mentira social. Se julgam superiores, e observando o movimento julgam os outros. São os que mais temem ser absorvidos na superficialidade de suas idéias e estaticidade de suas ações. Acusam no outro o que temem ver em si...mas aqui vai uma novidade meu caro: mentir a si mesmo sem saber, é muito pior.

Um comentário:

Renata disse...

...esse texto é tão bom como um bom prato de fetuccini ao sugo, qdo vc está faminto (e adora massa)!