quarta-feira, 7 de maio de 2008

Animal de estimação.

Henri Matisse

Nunca tive um cachorrinho de estimação. E olha que sou filha única e a idéia de um animalzinho em casa é bastante interessante se considerarmos o vínculo e a afetividade desprendida nessa relação, para a criança. Infelizmente meu pai não era leitor nem adepto de livros de psicologia na época e sequer sedia aos meus apelos.

- Cachorro dá trabalho, quem é que vai cuidar, você?
- É, eu cuido.
- Até parece, é capaz de deixar o cachorro morrer de fome e de sede.
- Não deixo não! Eu cuido- dizia com os olhinhos lacrimejantes.
- Não, porque solta pêlo e a casa é pequena.
- Eu varro pai, deixa!
- Quando a gente mudar de casa eu compro um.

Eu podia tentar usar a antiga e conhecida arma dos filhos únicos de mobilização parental : me jogar no chão, espernear, gritar - eu quero, eu quero, eu quero -na exposição de filhotes nas saídas dos supermercados, onde até as velhinhas com seus carrinhos de feira sentiriam-se sensibilizadas. E aí a mãe, o exemplo de candura da família diria -Vamos levar um, para a menina, afinal ela merece- e o pai austero acabaria cedendo aos encantos da bela esposa.
Ensaiei o ensejo, mas o que aconteceu foi que, depois do meu pequeno ato teatral amador, cheguei em casa e conheci a força do ryder. Sabe o ryder, o chinelo? Aquele mais grosso, mais duro, mais dolorido de todos. Apanhei com o chinelo número 44 do meu pai até aprender não dar mais vexames em públicos.

O problema é que ainda queria um bichinho, e um dia andando pelos quintais da minha vó achei uma rã. Era engraçadinha com aquelas perninhas compridas e um jetinho desengonçado, toda úmida. Brinquei com ela a tarde toda e não tive dúvidas, levei a rã para casa.

- O que você tem aí Irene?
- Um bichinho que eu achei no jardim, mãe, ele é meu e não tem mãe.
- Como você sabe? Que bichinho é esse?
- Porque ele tava sozinho no jardim, é meu - já falava brava.
- Deixa eu ver....é uma rã! Uma rã! Joga isso fora, já! Tem doença, menina doida!

E lá se foi meu bichinho, que saiu correndo desenfreado, não sei se pelos gritos da minha mãe, ou pelo alívio de não ser mais esmagado pelas minha mãos.
Mas, nem tudo estava perdido na minha infância solitária de bichos de pelúcia poeirentos. Um dia, meu pai chega com uma surpresa: Comprou um bichinho de um bêbado por dó, do bichinho é claro, que era mal tratado e pisoteado. Pagou uma ninharia. O que era? Uma tartaruga.

Fiquei animada com meu amigo cascudo. Mas ele não lambia, não corria, não fazia barulho, só ficava lá parado.

- O que ele faz pai?
- Ué, dá comidinha pra ele, ele vai crescendo.
- Mas ele não brinca, falei desapontada.
- É um bichinho selvagem.É assim mesmo, não faz sujeira.

O pior é que era selvagem e chato. Todo inverno ele se enfiava numa casinha e ficava meses lá sem comer, sem sair, ibernando, todo encolhido. Quando eu ficava impaciente eu puxava ele da casinha e ficava batendo no casquinho, até a cabeça dele se esticar. Fazia carinho nele, nas patinhas e nada! Lá ia ele se enfiar na casinha denovo.

Mas como o destino não é assim tão cruel e meu pai tem um coração mole, achamos numa viagem que fizemos a um sítio, um ninho, que provavelmente caiu de uma árvem recém cortada. Periquitos, todos filhotes. Queria todos, mas após ficarem grandinhos pude ficar só com um, que chamei de Niquinho.
O Niquinho era barulhento que só. Acordava todos os dias as sete da manhã e entoava um som de gralha com maritaca, que acordava todos os vizinhos. E era bravo! Não gostava de carinho não! Bicava até, o dedo, o ombro, a tartaruga.

- Ele é selvagem, é assim mesmo, dizia meu pai. Já deu as sementinhas pra ele?
- Mas ele bica pai, como vou colocar a mão dentro da gaiola?
- Tem que trocar a água também. Não consegue nem com um passarinho, ainda quer ter um cachorro? Deu alface pra tartaruga?
- Ela tá lá enfiada e não sai!
- Tá vendo, como quer ter cachorro?
- Ela iberna pai. Não come.
- Tá vendo, você não pode ter animal de estimação!

Malditos bichos selvagens. E eu só queria um cachorrinho.