segunda-feira, 10 de março de 2008

Religião? Não, graças a deus!

Leonardo Da Vinci

Quando eu era criança, minhas brincadeiras e bonecas dividiam espaço com o poder divino. Sim, eu era rodeada por santos e imagens católicas. Mais que isso: minha pequena existência já era permeada pela rotina cristã de novenas, missas,terços quinzenais e visitas a cemitérios. Me explico.
Minha criação, digo criação e não educação porque esta foi de responsabilidade dos meus pais, foi dividida entre duas pessoas e mesma figura: minhas avós. A primeira me presenteava com clicletes toda vez que me encontrava, e se sentia ressentida se eu não comesse dois pedaços de qualquer coisa que ela cozinhasse. Essa era devora de Nossa Senhora da Aparecida e todo dia de manhã colocava café para uma estatua quebrada de São Benedito. A segunda não gostava muito que eu me aproximasse do baleiro e nem que eu comesse duas vezes a mesma coisa. Tudo devia ser dividido igualmente entre todos, e os mais velhos comiam a sobremesa primeiro. Comunista? Não, católica.
Esta me iniciou na prática cristã, e me ensinou a fazer uns sinais na testa. Ficava muito com ela, mais que com a primeira e eu a acompanhava em sua rotina.
Quarta- feira íamos à novena. Lá eu gostava de observar uma santa que tinha umas chagas na testa, e olhava para nós lá de cima com um ar de sofrimento comovente:

- É a Nossa Senhora do Perpétuo Socorro - ela dizia.
- E o que ela faz vó?
- Ela socorre por nós.
- Por quê?
- Porque é santa. Ela sofreu por todos nós.
- Quem judiou dela?
- Não sei. Presta atenção no padre. É falta de educação !

Eu gostava desta santa. Gostava de um túmulo fictício de Jesus também, que ficava dentro da mesma igreja e que tinha uns espinhos na cabeça e a boca entreaberta. Nunca ficava lá se minha avó não estivesse perto. Tinha medo que ele abrisse os olhos.

- Vamos acender uma velinha, lá atrás.

O cheiro de parafina era delicioso. Alí atrás queimavam promessas, pedidos, arrependimentos e vinte centavos da carteira.

- Tira o terço do pescoço, não é colar, ai que pecado!

Quinzenalmente tinha uma reza lá na casa da minha vó. Lá as vizinhas velhas, todas mal vestidas, faziam um altar e no alto dele colocavam uma foto da Nossa Senhora em moldura e vidro. Murmuravam umas preces e no final beijavam o vidro.
Missas aos domingos. Visitas ao cemitério toda quinta. Íamos de túmulo em túmulo, fazendo vistas:

- Essa é a tia Ceição.

A tia Ceição era um mármore marrom com flores murchas.

- Aqui é a vizinha da tia Cida. Coitada. Foi cedo. O marido bebia. Sofreu coitada.

Ás quintas visitávamos todos os parentes, conhecidos, vizinhos, milagreiros-defuntos. Todos.
Minha outra avó, por sorte minha, era mais eclética:

- Se ele não gosta de você, fia, vem cá que a vó vai te ensinar uma coisa. Compra um perfume, e um par de brinco. Vem cá que a vó pede.

E alí no jardim de roseiras, com as oferendas já postas, no fundo do quintal ela pedia:

- Maria sete saias, ajuda minha neta a conseguir o que ela quer. Agora pede em pensamento, fia.
- Pede com o terço vó?
- Não! Que terço! Pede pra Maria sete saias o que você quer e ela vai te trazer.

Pedia.

- Agora reza uma ave maria.
- Pra Nossa Senhora?
- Não fia, pra ela.

E no final da reza, ela acendia um cigarro, com um sorriso no rosto.

Não me lembro se dava certo ou não. Mas era divertido fazer isso tudo com minhas avós. Como ia gostar da arte gótica, se não fosse minhas idas ao cemitério?Como ia conhecer os rituais religiosos e a diversidade cultural, se não fosse os brincos para Maria sete saias?
Fora isso o que aprendi ? Que dogmas aprisionam, que manifestação religiosa é desespero e que as pessoas precisam de fé para viver. E outra coisa importante que me utilizei muito na minha adolescência:

- Onde você vai a essa hora?
- Ora, que pergunta...no grupo de jovens da igreja!

Aprendi que saídas noturnas na presença divina, eram permitidas!

3 comentários:

Diogo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Diogo disse...

Olha, nesse você se superou. Muito bom ! Divertido, critico e bem escrito ! Mas para além da babação de ovo, vamos comentar.
Você começou com a mãe, foi para a avó. É uma reconstrução da arvore genealógica dentro da convivencia, rs.
Esqueceu de mencionar o caso do "E esse Jesus, quando ele vai chegar?". rs.
O caso é que eu gostei mesmo. Texto bom vc reconhece porque da vontade de ler denovo. Deu vontade. Vou ler...

Renata disse...

Como disse inúmeras vezes.... vc é genial!
E esse texto me fez pensar uma porção de coisas...
Toda fé é burra!
Não quero dizer q quem tem suas crenças (seja lá qual for) é pouco inteligente. Quero dizer apenas que a fé não permite questionamentos, e isso sim é burrice!
Acreditar, pq alguém disse q é verdadeiro, q é assim q tem q ser... isso me irrita... profundamente!

E é claro, somos ateus, graças à deus!