quinta-feira, 28 de fevereiro de 2008

Á parte.

Arte de Lispector

Penso.
Sinto e escrevo.
O mundo progride sem meus pensamentos e sentimentos inúteis em papel.
Tudo continua a existir.
Por deus me deixem parar de pensar,e de sentir.
Deixem-me, isolem-me.
Sim, eu sou triste.
Olho pela persiana, cai uma chuvinha fina.
Ainda são nove da noite, nem sinal da vigilia.
Sem remédios, sem cigarro.
Sozinha, e a maldita chuva fina.
Desejo ser expectadora dos fatos.
Sim, uma observadora passiva.
E antes que as sinapses voltem a incomodar meu mundo de fantasias
Eu torço, para que o sono venha.
Que venha logo!
Para que eu não precise pensar.
E muito menos escrever.



Tentativa de bom humor.

Amadeo Modigliani

Mas também como nem tudo tem que ser crítica, ou reclamações ( o que é uma merda porque só sei escrever disso) vamos mudar um pouco o estilo, seguindo os conselhos do meu pai que diz na ilusão dele que toda energia que emana de você é atraída por você.

Bom vou tentar seguir o mestre, mas o que vou escrever então?

Vamos lá...hoje acordei, bebi um café fraco pra diabo, que nem duas xícaras reporiam a necessidade da cafeína do meu sangue....A televisão estava ligada naquele canal, que passa um trecho de cada programação, mas não ia dar tempo de ver mesmo, olha a bagunça aqui em casa ! Impressionante como ninguém ajeita as coisas ...ó eu reclamando denovo! Vou recomeçar.


Acordei e abri as janelas, vi um lindo passarinho cantando, piupiupiu pra cá, piupiupiu pra lá, no terceiro piu já arremessei meu scarpin no bichinho e ainda reparei que a grama do jardim precisava ser cortada.

Essa coisa de liberação feminina é uma merda mesmo não? Aí a gente trabalha fora, trabalha em casa e no final, além do trânsito, da chuva, do pó doméstico e da roupa no varal, temos que estar lindas e atraentes para o homem, marido amante sei lá, com perfume suave, maquiagem discreta e escova nos cabelos. Ah como eu odeio os comerciais da Boticário! Ainda estou reclamando ?

Ah mas não vou começar denovo porra nenhuma. Acho mesmo é que tem que ter uma tal liberação masculina aí. Queimem a cueca, sei lá...
Eu quero é deitar o meu bundão no sofá e ler o Tchecov que faz 3 semanas que permanece na página 23.

Mas uma coisa é certa . E essa faz jus ao título deste post. É o sorriso e o abraço apertado que recebo cada vez que chego, é o carinho e o cheirinho que ele tem atrás da orelha, é o mimo, a comidinha no prato e o carinho para dormir.


É pensando bem, faz toda a diferença.

O que não significa que amanhã eu não mate aquele pardalzinho piando na minha janela.

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Vitrines de self

Fotografia de autor desconhcido
Sermos nós mesmos. Uma definição amplamente divulgada e bem aceita em nossos meios, onde o narcisismo fatalista conseguiu lugar privilegiado. Seja você mesmo, independente dos que os outros falem! Os aplausos ressoam, e a platéia desamparada, mas amparada de modismo intelectual, se apressa em buscar, entre as várias formas de eu, um que vista bem. Busca-se vitrines, busca-se estilos. Escolhe-se um que caiba. Um que seja exótico, irreverente e que exalte individualidade.
Ah, a individualidade! Não poderia faltar, nos ditames contemporâneos um estilo que não a exaltasse com bravura! Vestindo um eu, meio as pressas, a plateia desamparada clama para o mundo: Este sou eu, eu sou assim! Os outros que me aceitem! Bravo.Veste bem. Soa bem. Desde que não se vá mais a fundo no estilo escolhido, investigando por exemplo o que é esse eu, no que ele se constitui e em quais ideais ele está ligado. Quais angústias sofrem. Que medos tem. Que sentimentos carregam.
Difícil saber, pois estes não vem com a etiqueta. Mas isso não é problema. Se esse eu esta gerando tantas perguntas sem respostas, e o inoportuno de dúvidas ( não há tempo para dúvidas) pode-se dirigir-se à vitrine novamente, escolher um outro eu!
Dessa vez um eu que não se ocupe somente com assuntos mundanos, que seja introspectivo e faça leituras de auto ajuda , esses livros de banca de quatro e noventa.
E se este confrontar-se com o momento contextual de debates e provocações, é só dirigir-se à sessões de trocas: escolha um modelo contestador e desafiador, adepto às revoluções.
Até que ele dê algum defeito...os modelos são infinitamente variados e as possibilidades sempre evidenciadas. De eu em eu, a platéia migra, desconhecendo ser, mas conhecendo estar. Na impossibilidade de existir, mas na possibilidade de experimentar. Ser, sem saber o que se é.

Numa mesa de boteco, um quê de introspecção.

Gravura - Autor desconhecido

Noite fria de domingo. Visto uma roupa qualquer, pego um casaco e vou. Bar de sempre. As pessoas de sempre. Tudo me parece igual, mesmo após eu ter me ausentado por um tempo considerável. A única diferença se limita à um atrativo que, o dono do estabelecimento considedou viável para entreter os seus clientes, um tal de cultural game... Para mim soaria melhor se estivéssemos no verão, mas enfim, vale a tentativa.
Tudo me parece igual: pseudo-intelectuais sentados em mesas com quatro cadeiras, músicos inquietos e suas garrafas e cigarros acesos, idealistas mal vestidos encostados nas muretas discutindo algo possivelmnete relevante à realidade brasileira, meninas com as pernas a mostra bebendo algo adocicado, a espera de homens interessantes, representantes do heavy metal à parte, no chão, gritando algo ininteligível.
E lá estou eu, participante do barulho, das risadas altas, da fumaça e do álcool. Interlocutora dos assuntos banais, que depois de um tempo não comunicam mais. Discretamente me coloco à parte. Deixo os meus, e me ponho a observar. E observo.
Analogicamente penso em ilhas. Ilhas de conhecimentos não compartilhados. Olho a diversidade dos grupos que interagem perfeitamente em harmonia. Harmonia individualizante. Comunicam aos outros o conhecimento que adquiriram e a experiência que possuem. O artesão discorre sutilmente como a arte hoje em dia é valorizada, dando bons resultados financeiros. Defende que essa é a saída. O idealista, defende que deixará todas as suas paixões de lado, para defender a sua causa, porque essa é a saída. O arruaceiro quer usufruir de todas essas paixões e cerca as meninas receptivas ao seu charme, porque o sexo, ah o sexo é a saída! O solitário, busca na cerveja socializar-se porque o contato com o outro, é a saída.
Meio ao movimento, observo ilhas. Ilhas fortemente constituídas de história pessoal. Ilhas que compartilham com as outras, mas que carregam intimamente crenças, sentimentos e anseios que guiarão seus passos e seus caminhos. Interagem, comunicam, expalham-se...serão tocadas por outros ventos, outras aves...mas ainda assim, serão ilhas!
Devaneios demais para um domingo a noite...Esqueço brevemente às analogias e acendo um cigarro. Logo, os grupos se dissipam...pego minha bolsa e vou embora.

E se há alma, como mantê-la?

Pablo Picasso


Quarto de motel. Uma noite qualquer de domingo. Os corpos se entregam ao cansaço trêmulo e saciam-se do toque, aquele que só ocorre no final de uma noite de sexo. Ele descança a cabeça no meu colo e eu afago seus cabelos, sentindo o calor de suas mãos no meu corpo e uma respiração, que de ofegante, torna-se lenta. Acendo um cigarro. Desvio o olhar para um dos espelhos e vejo a cena que ele mostra. Nesse momento sinto que poderia morrer. Alí, num quarto de motel. A minha dúvida entretanto é somente uma: poderia eu morrer porque da vida, aquela cena e o que vinha dela já me bastava, ou porque havia somente três minutos naquele cigarro, e depois dele tudo aquilo iria continuar?

Existência inventada.

Salvador Dalí

Procuro respostas para fatos inventados. Ilusoriamente as encontro, e sacio-me momentâneamente. A vida que existe em mim é inventada e nada existe em mim além disso, de mentiras criadas.
Vivo de uma força que eu não tenho e o curioso é que não me engano. Finge-se o tempo todo, e eu também usufruo de tal alívio, mesmo sabendo que não é força que habita em mim. Talvez o que exista, sejam reações apropriadas, protocoladas e necessárias.
Desempenho.
As minhas palavras sequer são minhas. Meus pensamentos, então, seriam meus? Finjo na imensidão do vazio que sou, ser muito mais do que sou. Aliás não sei se sou alguma coisa.
A minha realidade é insanamente bela, em sua aparente criação. Construí-la demandou certo esforço, mas segui os modelos de felicidade e estranhamente isso me bastou. Uma realidade superficial e vulgar.
Tenho inimigos que não trajam vestes, ou possuem feições. Habitam uma parte desconhecida de mim, e me apunhalam vez ou outra, para que com a dor, eu obedeça suas determinações.
Obedeço.
Entro em contato com o que existe nessas fragmentações de mim, e me detesto. Detesto o que crio, e que busco, o que me amedronta. Detesto o que invento, o que vivo, o que aspiro.
E mesmo assim, na aberração insignificante que sou, acordo todos os dias às seis, coloco na bolsa minhas mentiras e existo.

Cegueira universitária e inutilidade.


Ônibus em movimento, rumo à São Carlos. Os universitários formam um aglomerado de gente e de debates, possivelmente relevantes, sobre pesquisas acadêmicas, viagens ao exterior e o ponto de vista de algum filósofo sobre o amor. Sentado à minha frente, um homem barbudo com sandalias de couro, mostra à uma moça risonha, a capa de um livro do Bukowski, e discorre trechos do mesmo, como se quisesse dividir os versos para todo o ônibus e não só para ela. Rapazes de tênis sujo demostram-se entediados com a viagem e alheios ao resto, descansam a cabeça na janela, ouvindo músicas em mp3.
Em alguma parte do trecho, meio a Bukowski e uma discussão sobre a queda da bolsa de Xangai, o ônibus para e sobem outros passageiros. São cinco. Seus jeans também são rasgados, como a dos universitários, mas não vieram da vitrine do shopping, e nem custaram duzentos paus. Os tênis também são sujos, mas a sujeira não era para contestar nada, muito menos para ostentar revolução. Os novos passageiros carregavam malas também...eram sacos de lixo, daqueles pretos. Também tinham o cabelo desarrumado, mas porque trabalhavam no sol das duas, no canavial , e isso dispensa qualquer corte desfiado de navalha.
Entraram no ônibus, e ficaram em pé nos corredores, com seus sacos de plástico no chão. Os passageiros emudeceram. Será que foi porque eles não poderiam ser interlocutores de assuntos como a bolsa de Xangai, ou será que foi porque não conheciam o amor na visão dos filósofos?
Será que mostravam no rosto marcas que, os universitários tentavam mostrar através de estilo e roupas? Ou será que era porque eles, como outros tantos trabalhadores brasileiros mostravam na pele queimada e no suor da testa a realidade de um país, e não a realidade entre muros de uma Universidade? Acusavam o conhecimento intelectual? A cegueira social disfarçada em capas duras ?
Não sei, só sei que incomodaram. Tanto, que os entediados abriram os olhos, as mocinhas decotadas subiram a blusa, e os livros foram cuidadosamente colocados no colo. Os novos passageiros não perceberam o movimento, e simplesmente esperavam chegar ao seu destino. Chegaram antes. Pararam na estrada.
Depois de alguns minutos rodados, as conversas voltaram na sua direção normal, projetos acadêmicos, algumas críticas sobre autores positivistas....e vejo pela janela, ficando para traz os trabalhadores rurais, andando, seguindo a poeira da estrada.

Necessidade humana.


Magritte



Não há como negar a natureza de cada ser. Se há liberdade em seu espírito, você nunca deixará de voar, mesmo que suas asas sejam tolhidas pela força de outrem, pelas peripécias do tempo.
Se há insatisfação em tua alma, a busca será um grande aliado, e ao mesmo tempo, seu maior inimigo. Alia-se à insatisfação a sede de respostas e vontade de dominar o desconhecido. Aos poucos novos horizontes se descortinam.
Mas há sempre algo a se buscar, logo o contentamento apaziguador da recente descoberta transforma a tranquilidade, em impulsos vorazes de lançar-se novamente no desconhecido. Sentir o frio que a escuridão reserva. Sentir o medo que o novo causa.
Não há tempo para usufruir, há sempre mais. Há sempre busca.
E se não houver razões, cria-se. Simplesmente para obedecer a natureza do ser, para sentir o prazer de percorrer o caminho.
Se essa é a sua natureza, busque, mas não se iluda. Tudo o que conseguires, será rapidamente abandonado.
Afinal, de que vale o obsoleto?

Inexistência de deus.

Arte de Garret Walker.


Talvez uma das primeiras manifestações do ser, que constitui-se grupal para sua própria sobrevivência e não extinção, tenha sido a espiritualidade. Desde os primórdios, os estímulos que a natureza provocava nos nossos ancestrais, que já simbolizavam através da cultura, eram interpretados ou pelo menos nomeados como evidência da existência de algo maior.
E assim, rituais pagãos se instauraram. Passa-se o tempo, muda-se o contexto e belíssimos templos foram criados. Organizações sociais em torno da fé. Fé em deuses, em deusas. Até que culmina-se em um único deus. Evolução? Só se o genocídio e o etnocídio forem consideradas como tal. Mas essa é uma outra discussão.
Surge um deus. Milhares de indivíduos aglomerados manifestando sua fé em igrejas, cultos, centros, guerras. Alguns pedindo, outros agradecendo, outros ofertando e outros matando.
No mais, penso cá com meus botões a razão para o fato. Com relação aos extremistas, creio que o contexto sócio-histórico fala por sí só. Ocupo-me a investigar com alguns amigos, os mais próximos, que me respondem intrigados:..." deve haver um motivo para isso tudo. Há uma explicação para estarmos aqui! Alguns familiares mais tradicionais comentam quase introspectivos:..precisamos nos apegar em algo, senão não aguentamos! Outros não sabem, acreditam que assim deve ser.
E por que não aceitamos o fato de que o motivo para tudo isso foi um acidente do acaso, que através do qual nos adaptamos e perpetuamos? Que nascemos, crescemos, nos desenvolvemos e morremos, como qualquer espécie biologicamente semelhante, ou não ( nunca ouvi falar no céu das plantas, ou na reencarnação de um bezerro). Por que não nos atemos às explicações cientificas? Veja, os primórdios não detinham as explicações que hoje, a ciência nos oferece. Uma aura hoje é explicada pela física.
Então o motivo cai no subjetivo. A angústia. A angústia de saber, que o preço que pagamos por estar vivo e viver em sociedade é muito alto. Que nos abstemos de prazeres em nome de obrigações.A angústia de conviver diariamente com injustiça social ( o controle necessário das massas?). A angústia de perder quem amamos, de conviver com doenças incuráveis, catastrofes naturais. De morrer, simplesmente morrer, sem que nada disso tenha feito o menor sentido...
Esse é o fato. Como dizem os existencialistas, é a dor de estar abandonado à própria sorte.
No mais, a angústia é amenizada pela fé. Ameniza a dor de ser um ser do acaso, da finitude sem porque.
E não, não tenho nada a oferecer, nesse texto que substitua seu deus. Só constato o fato.
A escolha transita entre a angustia e a alienação. Que seja feita a tua vontade...!