terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Cegueira universitária e inutilidade.


Ônibus em movimento, rumo à São Carlos. Os universitários formam um aglomerado de gente e de debates, possivelmente relevantes, sobre pesquisas acadêmicas, viagens ao exterior e o ponto de vista de algum filósofo sobre o amor. Sentado à minha frente, um homem barbudo com sandalias de couro, mostra à uma moça risonha, a capa de um livro do Bukowski, e discorre trechos do mesmo, como se quisesse dividir os versos para todo o ônibus e não só para ela. Rapazes de tênis sujo demostram-se entediados com a viagem e alheios ao resto, descansam a cabeça na janela, ouvindo músicas em mp3.
Em alguma parte do trecho, meio a Bukowski e uma discussão sobre a queda da bolsa de Xangai, o ônibus para e sobem outros passageiros. São cinco. Seus jeans também são rasgados, como a dos universitários, mas não vieram da vitrine do shopping, e nem custaram duzentos paus. Os tênis também são sujos, mas a sujeira não era para contestar nada, muito menos para ostentar revolução. Os novos passageiros carregavam malas também...eram sacos de lixo, daqueles pretos. Também tinham o cabelo desarrumado, mas porque trabalhavam no sol das duas, no canavial , e isso dispensa qualquer corte desfiado de navalha.
Entraram no ônibus, e ficaram em pé nos corredores, com seus sacos de plástico no chão. Os passageiros emudeceram. Será que foi porque eles não poderiam ser interlocutores de assuntos como a bolsa de Xangai, ou será que foi porque não conheciam o amor na visão dos filósofos?
Será que mostravam no rosto marcas que, os universitários tentavam mostrar através de estilo e roupas? Ou será que era porque eles, como outros tantos trabalhadores brasileiros mostravam na pele queimada e no suor da testa a realidade de um país, e não a realidade entre muros de uma Universidade? Acusavam o conhecimento intelectual? A cegueira social disfarçada em capas duras ?
Não sei, só sei que incomodaram. Tanto, que os entediados abriram os olhos, as mocinhas decotadas subiram a blusa, e os livros foram cuidadosamente colocados no colo. Os novos passageiros não perceberam o movimento, e simplesmente esperavam chegar ao seu destino. Chegaram antes. Pararam na estrada.
Depois de alguns minutos rodados, as conversas voltaram na sua direção normal, projetos acadêmicos, algumas críticas sobre autores positivistas....e vejo pela janela, ficando para traz os trabalhadores rurais, andando, seguindo a poeira da estrada.

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