domingo, 12 de setembro de 2010

REUNIDAS e a viagem do inferno.

Todo mês, duas ou três vezes no mínimo a pós graduação, a inquietação ou o funcionalismo público me coloca num ônibus para viajar. Acabo apelando para as viações, porque se eu for de carro e pegar um desses caminhões de cana na minha frente, fico atrás dele até chegar ao meu destino. Pior que fico mesmo! Tenho medo de ultrapassar com meu carrinho um ponto zero, sem falar que essas placas de rodovia me são estranhas e invariavelmente não entendo o que é para fazer. Até aí tudo bem. Adoro levar um livrinho para ler e olhar pela janela pensando na vida, enquanto o ônibus percorre seu trecho. Mas tem dias que você está há sete dias sem transar, com meio hamburguer no estômago o dia inteiro e ainda briga com a melhor amiga. E nesses dias tem que encarar a viagem de volta.
- Você é arrogante e egoísta! E ainda fica me julgando! Não entende minha situação.
- Não estou te julgando, eu entendo sim, mas é que as coisas não tem que ser assim e...
- Vocês são psicólogas? - pergunta a funcionária da universidade que nos encontrou na rodoviária
-Somos, respondo baixinho
- Ai que legal que é ser psicóloga, psicólogos não tem problemas né?
Ai deus, mais uma daquelas.
- Temos sim, quem é que não tem problemas, não é?
- Ah vocês não tem não! Acho muito bacana, logo vocês vão voltar aqui né? Vou procurar vocês.
Concordamos com a cabeça e nos despedimos da simpática funcionária, que tomou seu ônibus.
Logo nosso ônibus também chegou. Três horas de viagem pela frente, e um bico imenso da melhor amiga que sentou no meu lugar na janela e pegou meu livrinho de viagem para ler. Não falei nada, afinal de contas eu era arrogante e egoísta e precisava melhorar a situação.
Sem ter a janela para os devaneios e o livro para ler, pensei num breve cochilo. Afinal foram oito horas de aula, e tinha viajado a manhã toda.
Tão logo caí no sono, o ônibus dá sua primeira parada:
-Fernandoooo!!!!!
Acordei em sobressalto com o grito
-O loco cara, é você mesmo?
- Fala André, que coincidência. To voltando cara!
- Faz quanto tempo que você tá fora?
- Um seis meses cara. To lá em Votuporanga. Aquilo sim é vida mano. Longe daquela desgraça de mulher! Cara não posso nem ver ela na frente.
-Verdade? O que aconteceu?
Era a pergunta que eu temia. Não pela história, ou pela conversa: pela altura da prosa. E assim ele foi contando para o amigo e para todo ônibus sua saga amorosa e o quanto não gostava mais da moça em questão.
Já que não podia dormir, estava sem a janela e sem o livro, fiquei tentando olhar para a outra janela do corredor. Nesse banco, tinha uma menina engraçadinha comendo aqueles salgadinhos fedidos, no colo da mãe já impaciente com a menina, que não parava quieta. Fiquei olhando ela brincar com o salgadinho, mas tentando alcançar a janela. Quando reparo, a mãe está me olhando feio, perguntando com o olhar: - O que você está olhando aqui? Está me achando feia? Talvez gorda? Uma mãe ruim porque a menina está bagunçando?
Antes de começar qualquer diálogo desagradável, abandonei olhar a janela do corredor. Fiquei olhando as costas do banco do André, o interlocutor de assuntos do coração.
Próxima parada. Alguns descem, outros sobem. Entre os que sobem, seis meninas muito animadas, com cervejas na mão, saias curtas e muito gloss. Sentam lá no fundo e começaram a planejar o que iriam fazer quando chegassem na balada.
"Mas esse ônibus lá é ônibus de levar alguém na balada?!" -pensei.
É claro que as meninas baladeiras animam os viajantes da frente, que incessantemente olham para trás, para conseguir algum olhar, ou algum risinho das garotas. E para fazê-lo, debruçavam no banco com o cotovelo, subindo no acento com os joelhos.
-Puta que pariu...
Nessa altura minha amiga já esta sem o bico, e começa a solidarizar comigo, com risinhos marotos.
Na terceira parada, todos descem e pouquíssimos sobem. Olhamos aliviadas uma para a outra com a vã ilusão de que teríamos uma viagem sossegada. Mas inventaram a porcaria do celular né? Tinham que inventar...
- Alô! Alô!! Atende essa porcaria de telefone que eu já tô na estrada! Não desliga esse telefone, eu tô te avisando! Fala comigo! - falava a moça indignada, batendo com o celular o banco da frente, quando a outra pessoa desligava.
- Você não pode fazer isso, o que eu vou fazer? Já estou com as malas. Você vai me buscar! Vai sim! Não posso ficar lá sozinha...já soluçava a garota.
Talvez se eu não estivesse viajando desde as seis da manhã, se eu estivesse na janela, se eu pudesse virar minha cabeça para olhar o corredor, se eu pudesse ler o meu livrinho, se eu não estivesse a sete dias sem transar e com meio hamburguer no estômago, eu até sentisse pena da moça. Mas eu já começava a achar que existia um complô sobrenatural que conspirava contra meu sossego e emburrei encolhida no banco.
Na quarta parada ( que diacho esse ônibus para tanto?), a moça desceu. Bocaina, terra dos sertanejos, cidade interiorana simpática, pequenininha. Mais uma hora de viagem até nosso destino.
Quando o ônibus retoma seu caminho, um passageiro teve a brilhante idéia de ouvir música. Sem fones de ouvido, claro. E como desgraça pouca é bobagem, colocou um sertanejo e ia cantando junto com a letra:
"-Te dei o sol, te dei o mar"....!!!
Fechei os olhos e comecei a abstrair.
" Vou ouvir a musiquinha, fechar os olhos que daqui a pouco chega"....
Até que de repente outro passageiro quis compartilhar seu gosto musical conosco:
" I wanna hold ´em like they do in Texas place...." lady gaga, altíssimo, misturado com a dupla sertaneja que não sei o nome.
Nessa altura do compeonato minha amiga perde a paciência:
- Ah é assim, agora chega!
- Que você vai fazer?
- Vou colocar uma música também!
- Coloca uma calminha do Luis Tatit então e...
- Que Luis Tatit, o que. Vou por essa!
E ela, com um ar desafiador esquisito, que nunca vi na minha amiga dá o play em Piace Of My Heart da Janis Joplin, com aqueles agudos e solos de guitarra que só combinam com depressão ou cerveja.
É claro que o som incomodou, e ao invés de todos terem a sensata idéia de desligar suas musiquinhas, outros passageiros resolveram ativar o MP3 de seus celulares, misturando todos os estilos musicais possíveis em catorze metros de ônibus.
- E ai se alguém falar alguma coisa!! ela resmungava.

- Pai?
- Oi filha já chegou?
-Cheguei! Preciso da sua ajuda.
- O que é?
-Preciso urgente que você me ensine a ultrapassar caminhões na estrada.
- Por que? Vai de ônibus, filha. É tranquilo e você vai lendo um livrinho, vendo a paisagem da janela, ouvindo uma musiquinha.
-Livro, o que! Música, o que! Quero ultrapassar os malditos caminhões!
- Credo! Você nem veio dirigindo na estrada, não era para estar assim estressada.




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